Sobre a Copa das Copas, chororô de um zagueiro, desequilíbrio do outro, 7×1’s e um país estarrecido
Tô começando a escrever este texto ao som de “Bitter Sweet Symphony”, da banda inglesa The Verve. Um clássico do final dos anos 90. Foi lançada em 1997, mas só estourou em nossas rádios em 98, ano em que comecei a gostar de futebol. Ano também em que tive minha primeira grande decepção com esse esporte que consegue maltratar na mesma potência com que alegra. A final da Copa da França, assim como os gols de Zidane e Petit, está indelevelmente marcada na minha cabeça.
A música terminou assim que concluí o primeiro parágrafo. Apertei o repeat.
Eu lembro que aquela tristeza imediata não durou muitos meses. Era muito pequeno. Não esqueço do que foi o choque NAQUELE momento. Mas passou, apesar da memória não se apagar. Meu pai, justificavelmente indignado/invocado/revoltado, me puxou de maneira violenta pelo braço e bradou um “vamo embora, essa porra”. Senti um tom de choro em sua voz. Ele, desde sempre um apaixonado pela Seleção, já tinha se decepcionado outras vezes com o time amarelo, não gostando de Zico e companhia até hoje.
Mas meu pai é um otimista de carteirinha. Todo período de Copa ele enfeita a rua com bandeirinhas de São João nas cores da bandeira. “Acho que é a última Copa que torço por esse time”, repete ele, desde 2006. Eu me divirto com essa ilusão dele. É até bonito.
Já é a terceira vez que aperto o repeat.
Falando em 2006, foi um torneio de expectativas para mim. Já tinha vivido a alegria do Penta, então estava ansioso para ver boa parte daquele mesmo esquadrão reforçado com grandes nomes que viviam ótima fase na Europa. No papel, um esquadrão milionário de encher os olhos. Em campo… bem, vocês lembram. França e Zidane novamente um nada doce empecilho.
2010 eu já tava mais consciente sobre a Seleção. Continuava torcendo, a rua tava enfeitada como sempre. Compramos os tradicionais comes e bebes e nos reunimos na sala, na frente da TV, em todos os jogos, exceto contra a Holanda, que fui ver na casa de amigos. Meu pai não me perdoa até hoje pela quebra de superstição. Fiz o Brasil perder.
Vou pausar o texto e a música brevemente porque tem uma salgada e deliciosa sopa de batatas me esperando pro jantar. Volto logo.
But tonight I’m on my knees, yeah… ♪
Voltei. Minhas esperanças para 2014 não eram as melhores. Eu não conseguia confiar naquele time, mesmo tendo brilhantemente ganho a Copa das Confederações. Desconfiava muito de uma equipe que jogava em razão de um único craque. Repeat de novo.
“Mas vamos lá”, pensei. “Vou dar esse voto de confiança”. Era o Felipão, pô. O bigode do Penta. O paizão da Família Scolari™. Mas no fundo eu sabia que nada disso valeria dentro de campo. Quinto repeat.
Já no primeiro jogo percebi que não seria nada bom. Sexto. O gol contra de Marcelo incomodou. Susto inicial. Mas bola pra frente. o time croata – apesar dos ótimos valores individuais – não era lá essas coisas, logo a virada veio. Na verdade, o único adversário razoável do Grupo A era o México, tradicional carrasco. Tanto é que foi justamente o time que segurou os brasileiros na primeira fase, numa atuação formidável do goleiro Memo Ochoa. Terceiro jogo, um passeio contra um desequilibrado selecionado de Camarões (ainda tomamos um gol deles minha nossa).
Tô demorando mais que o habitual a bater o texto porque tá começando a incomodar ao me lembrar do que viria pela frente. Sétimo.
“Que venha o Chile, amigo!”. Veio. Nossos vizinhos sul-americanos contavam com a melhor equipe de sua história, que, um ano depois, viria a conquistar de forma inédita a Copa América. Um belo time, La Roja. Vargas, Sánchez, Bravo, Vidal, Aránguiz, Medel. Novo empate, desta vez por 1×1. Nos pênaltis, bateu o nervosismo, claro, mas veio à mente a lembrança de dez anos antes. Nunca fui fã de Júlio César, mas o goleiro me arrancou diversos elogios naquela decisão também por pênaltis em 2004, contra a Argentina. Então me enchi de confiança. Dá pra passar. Passou. Não sem antes o vergonhoso episódio do descontrole emocional do nosso capitão.
Repeat. Tô perdido nas contas. Lord, take me on my way… ♪
Colômbia do jovem craque James Rodríguez, um dos destaques da competição. Outro time sul-americano com vários bons jogadores. Partida dura, aquela em Fortaleza. O jogo do desastre pré-Desastre. Com D maiúsculo mesmo. Um puta golaço de falta de David Luiz – sim, dele. Torcida nordestina inflamada como sempre. Brasil passou. Mas houve o momento trágico. Zúñiga lesiona seriamente o camisa 10 brasileiro. Neymar abandona o campo e deixa toda a torcida pelo país apreensiva. O líder técnico do time não poderia jogar a semifinal. E justo contra a Alemanha…
No momento em que se confirmou oficialmente a ausência do atacante do Barcelona, larguei as esperanças. Mas obviamente não esperava o que estava por vir. Imaginava uma derrota apertada. Um 2, até 3×0 aceitável, na melhor das hipóteses. Felipão armando sua retranca para perder de pouco. Tudo bem.
Saí do meu bairro rumo à casa de minha ex-sogra em Casa Amarela para ver o jogo. Afinal, é futebol. A gente vê cada partidinha nojenta na Série B, eu iria deixar de ver um jogo daquela Copa? Logo aquela que vinha sendo tão sensacional, apesar da dureza da campanha brasileira? Não mesmo.
Have you ever been down? ♪
Um. Dois. Três. Quatro. Cinco.
Para que tá feio. Acaba aí mesmo no primeiro tempo, señor Marco Rodríguez. Eu tava sem reação na frente da TV. Só conseguia colocar amendoins na boca e mastigar vagarosamente. Quem me segue no Twitter sabe que posto freneticamente naquele microblog. Pois fiz uma busca avançada e descobri que não consegui pegar no celular para enviar um tweet sequer durante toda partida, tão desgraçado da cabeça eu estava. Seis. Sete. A um.
Eu lembro que, após o sétimo, fiquei uns cinco minutos estático, até que a sogra me balançou. Então senti um choque e um aperto por dentro. As pessoas me faziam perguntas e eu falava algo sem nexo que julgava ser uma resposta. Comecei a voltar pra casa ainda com o pensamento longe, sem conseguir formular nada na cabeça. Saí da Praça do Trabalho em Casa Amarela, fui pra Macaxeira e tinha gente com cara de choro ou ainda chorando na estação. Foi difícil ver aquilo.
Em casa, ninguém disse uma palavra sequer até o dia seguinte. Meu pai, apaixonado pela seleção, tava mudo. Minha vó, sempre espirituosa, não proferiu nenhuma de suas tradicionais brincadeiras. Minha mãe só me abraçou. Eu continuava sem reação. A ficha só foi cair quando acordei, relembrei tudo, olhei a internet e vi que era real. Amargamente real.
Mas continua, né? “Segue em frente, tem outros troféu” (sic), diria o pessoal do Twitter. No caso da Seleção, outras vergonhas. A campanha na Copa América 2015 tá aí para provar. Não vamos sequer disputar a Copa das Confederações. Segue em frente. José Maria Marin preso. Dunga dando declarações racistas em coletiva. Seleção eliminada. Identificação entre Canarinho e torcida cada vez menor.
Um ano de 7×1. Parabéns pra você, nesta data querida? Repete.
Trying to make ends meet… ♪