Mais de 14 mil torcedores estavam no Arruda. Já era hora de acabar essa má fase e brigar pelo G4. Antes da bola rolar o tradicional animador da torcida Coral falou com entusiasmo algo como “o Santa Cruz comprou um placar eletrônico de última geração para dar de presente a sua torcida no centenário”. 100 anos de história sendo presentados com um contador de gol. Triste era perceber que, na voz de quem falava, aquilo realmente parecia ser de grande valia. A bola começou a rolar e o futebol era tão feio quanto o gramado no Arruda. O Santa Cruz pouco criou. O ataque era lento, a defesa assustadora. Normal. Na volta do intervalo piorou. Um tal de Siloé, bastante conhecido, arrancou na direita. Não era acostumado a fazer isso quando jogava do lado de cá. A bola cruzou a área, voltou na área, bateu no zagueiro, no goleiro e no atacante mas ninguém teve pé para tirar ela dali. Que gol chorado. Nem a bola queria entrar. Acabou o resto de empolgação daquele time. A defesa morta, assistiu a cabeçada do segundo gol. Fechou o caixão do jogo e do acesso. Que centenário. Ao fim, o saldo do ano foi duas eliminações para o rival, uma para o desconhecido Santa Rita e a visível conformação da diretoria em permanecer na segunda divisão. Desrespeito com a história do Santa Cruz. Aos 100 anos de muitas histórias. Não veio título, não veio acesso. Ah, mas veio um placar eletrônico. E parece que o certo é agradecer por isso.
Santa Cruz
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Certa quinta-feira no gramado do Arruda os jogadores do Santa Cruz decidiram não treinar. O motivo era o atraso de dois meses na folha de pagamento. Correta ou não, a atitude ameaçou comprometer o desempenho contra o sempre forte adversário carioca, Vasco. Problema de um lado e de outro, sem perspectiva de resolução a equipe Coral foi lá e… pau. O golzinho salvador de Cassiano colocou um cheirinho de G4 naquele time que não pagava os salários.
A animação chegou, o dinheiro não. E era para tirar ponto do Ceará lá dentro. Tarefa dura. Pau de novo. 2 a 0 com um jogador a menos na maior parte do tempo. Foi na raça. Como tinha raça aquele time. Como merecia receber. A diretoria pagou. Não tudo, é verdade, mas ninguém reclama de receber dinheiro. Nesse meio tempo teve um tal de Vila Nova. 5 a 1. O dinheiro iria aparecer no dia seguinte e pagar a raça que os jogadores tiveram. Tiveram.
Dia de “papapa” na Arena, mais de 34 mil torcedores. Uma vitória do G4. Dinheiro na conta. Tudo a favor. Aí complica. Esse time não joga na facilidade. Escapou. 1 a 0 pro possível rebaixado América-RN. Mas ganha no clássico… ganha nada. Arrancou um pontinho só. E o pior, parecia que era o adversário alvirrubro que brigava para chegar na elite.
A verdade é que na arte de secar a competência é gigante e hoje, pela terceira vez seguida, uma vitória bastava para o G4. Outro fumo. Bragantino dessa vez. Abriu o placar, deixou virar. Roteiro comum demais.
Agora são 3 jogos e 5 times que separam o Santa Cruz do acesso. Torcer contra é prática. Torcer a favor é sofrimento. Mas tudo sempre foi no sofrimento. Faltam 3 jogos.
Torcer para um clube de futebol, especialmente no Brasil, é algo que transcende os limites do normal. Casos já relatados mostram uma paixão anormal, até inexplicável. Há o torcedor com mais condições que não hesita em ir ao estádio todo santo jogo, ocupando seu camarote ou indo às sociais. Há também aquele mais humilde que, de tão apaixonado, chega ao ponto de tirar o dinheiro da própria comida para ver seu time jogar e gritar o gol do seu ídolo.
Diz-se por aí que o futebol é algo pouquíssimo importante para se dispensar tamanha atenção. Nesse caso, o aficcionado pelo esporte pode responder com um ‘o Sacchi tem razão’*. O torcedor não se preocupa com o que aparenta, vai exatamente na contramão disso, por vezes fazendo questão de exaltar sua imagem de apaixonado.
Sampaio Corrêa, Paysandu, Remo, Fortaleza e Santa Cruz. O que todos têm em comum é um dos objetivos deste texto. A saber:
Paixão em muitas cores: O Sampaio Corrêa, carinhosamente chamado de ‘Bolívia’ pelos seus torcedores por causa das cores, passou por uma longa e agreste fase, porém acaba de se garantir na 3ª divisão do Campeonato Brasileiro de 2013 com bela campanha e grandes públicos. Foi de se encher os olhos.
Busca pela hegemonia: O Tricolor do Pici, em meados da década passada, era dono de uma supremacia em seu estado, panorama favorecido por um mau momento do eterno rival, o Ceará. Ter sido multicampeão estadual e algumas participações na Série A do Brasileirão ratificaram esse status. Porém, já no final dos anos 2000, o Vozão deu uma guinada e conseguiu reverter a situação, e o Leão caiu pelas tabelas. Este retornou, inclusive, à 3ª divisão. Após passar por uns momentos difíceis, até mesmo financeiros, o Fortaleza parece estar se reabilitando. Formou um time forte para o Brasileiro 2012 e fatalmente conseguirá o acesso, com o apoio da fanática torcida, que tem enchido o Presidente Vargas toda partida.
Rivais de mãos dadas: Os dois grandes clubes da capital do Pará são adversários ferrenhos, embora a rivalidade tenha esfriado, fato associado talvez à queda do poderio de ambos em relação ao que apresentavam anteriormente no cenário nacional. Ao realizar uma bela campanha na Libertadores da América de 2003, até mesmo vencendo o temido Boca Juniors em plena La Bombonera, parecia que o Paysandu levaria o futebol paraense a outro nível, quem sabe se equiparando a centros mais desenvolvidos no país. O que se viu, entretanto, foi uma decadência rápida. Após isso, o Papão fez companhia ao coirmão no fundo do poço, ficando sem divisão e passando necessidade ao tentar sanar os próprios cofres. Contudo, o time bicolor em 2012 tomou nova cara após a lastimável campanha no campeonato paraense, humilhou o Sport na Copa do Brasil e também está firme na briga por uma vaga na Série B de 2013, com a força de um estádio Leônidas de Castro sempre cheio. O Remo, em estado ainda pior, ainda respira por aparelhos, mas os fieis adeptos do Leão Azul permanecem ao seu lado e lutado em busca da volta dos dias de glória, constituindo a maior média de público do Parazão em 2012 e fazendo jus ao apelido de ‘O Mais Querido de Belém’. Os 12 anos sem disputar a Série A e os 5 sem participar da B, além de desde 2008 não participar do nacional, aparentemente criaram um vínculo maior com os torcedores.
Corais contam com a força do seu estádio: O Tricolor é um dos clubes mais tradicionais do estado de Pernambuco e do Nordeste. É conhecido também por ser protagonista de uma das maiores decadências do futebol brasileiro: a queda sucessiva da elite do Campeonato Brasileiro até a lama da Série D. A ‘escada’ tomada pelo Santa foi a todo tempo motivo e inspiração para chacotas feitas pelos seus adversários locais, que voltavam a um melhor momento no futebol nacional. Apesar disso, a massa coral não abandonou seu time, e passou a lotar o estádio do Arruda nos jogos da Quarta (e agora da Terceira) divisão. A situação na Série C é idêntica à do Paysandu e, por ser o time mais tradicional e com mais dinheiro da competição, pode ser uma boa aposta para o acesso, pois tem chegada e o apoio das arquibancadas.
Sem querer exultar muito ou ficar comparando, as torcidas do Norte e do Nordeste dão um show à parte no quesito paixão e fazem belas festas nos estádios, enquanto boa parte das do Sudeste têm decepcionado. Isso é notório. O que não se costuma perceber de primeira é: por quais motivos times com menor expressão levam tanta gente aos estádios? Fica somente o julgamento de uma torcida apaixonada e só. Não pretendendo desmerecer ninguém, mas em determinados casos, as circunstâncias colaboraram. Quantidade menor de jogos, ingressos mais baratos, viagens mais curtas. Tudo isto favoreceu a imagem dos torcedores dessas agremiações.
Está longe de ser algo recriminável, até mesmo porque o poder aquisitivo de tais clubes é muito mais reduzido em relação aos médios e grandes do Sul/Sudeste, então esses públicos gigantes são necessários (assim como para qualquer outro) e dignos de aplausos e admiração, apesar das ressalvas.
*Arrigo Sacchi, ex-treinador italiano. Famoso, além de outros motivos, por ter proferido a clássica frase “O futebol é a coisa mais importante dentre as menos importantes”.